Maldita parafernália eletrônica que nos mantêm cativos voluntários de seus atrativos. E alguém quer ficar livre livre disso? Meia dúzia, talvez, consiga viver no acrisolamento “sociovirtual”. Mas a maioria dirá que não abre mão das facilidades que elas nos trazem. Ocorre que você envia uma mensagem para alguém e o aplicativo mostra: mensagem enviada, mensagem entregue, mensagem lida… Mas a pessoa, do outro lado da tela, não lhe responde.
Tudo bem, o mundo está uma loucura. A gente fica antenado dezoito horas por dia e são tantas atualizações: email, WhatsApp, Facebook, Google +, Twitter, Instagram, Messenger… Ufa.. E tem alguém ali, em todas elas, dizendo “oi”.
Um “oizinho” não é importante, deixa pra lá, depois falo com essa pessoa. Depois do “oi”, você envia outra mensagem que é visualizada e ignorada. Tudo bem, lá vamos nós, o mundo anda uma correria… e blá, blá… Mas então você percebe que a pessoa entrou várias vezes – maldito aplicativo que tudo informa – e ela sequer envia um emoticon pra dizer, “perai”. Não pode escrever? Manda um áudio. Visualizar e não responder – em momento algum – é deselegante e demonstra desrespeito por quem envio. E o respeito é a coisa mais importante em todos as relações.
“Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão”, disse Mia Couto em um de seus discursos. E Zygmunt Bauman completa: “Eu penso que a atratividade desse novo tipo de amizade, o tipo de amizade de Facebook, como eu a chamo, está exatamente aí: que é tão fácil de desconectar. É fácil conectar e fazer amigos, mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar. Na internet é tão fácil, você só pressiona ‘desfazer amizade’ e pronto, em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500, e isso mina os laços humanos”.
“Mas, por quê a mensagem enviada é quase sempre é ignorada num ‘tanto faz se essa pessoa me envia uma mensagem ou não’ – Você pensa: ‘o que eu disse de errado?’.
Nunca antes a indiferença, maquiada pela tecnologia, ‘destruiu’ tantas expectativas como atualmente. Não é o ‘ódio’ pelo outro que desmonta seu sorriso tão duramente costurado. Não é a ofensa que apaga do coração a centelha de uma afinidade qualquer. O que entristece a alma, aquilo que pode afogar os sentimentos mais básicos de um coração, chama-se indiferença. A indiferença é arte do desdém.
Quem pratica a indiferença possui uma veia artística. Esse tipo de pessoa costuma pintar em matizes opacas no rosto do desdenhado a palavra ‘desumanidade’. Pois o que seria a indiferença senão a desconstrução da humanidade? Quem pratica a indiferença – ‘te respondo quando me der na telha e olhe lá’ – faz do outro qualquer coisa, menos ser humano.
Ignorar aquele que nos escreveu uma mensagem, que deixou um recado na caixa postal do telefone ou que nos enviou um ‘olá’ pelas redes sociais é desrespeitoso.
Quem já leu Franz Kafka sabe o que é ver a indiferença tomar ares épicos. Tomo como exemplo ‘O Processo’. Na obra, um homem é processado sem saber o porquê procura entender o crime que cometeu sem ter cometido crime algum. Ele recebe menosprezo de seus detratores, amigos, família… todos.
É visível durante a obra uma desconstrução de sua personalidade até sobrar nada mais do que algo, não alguém. O mesmo aconteceu com ‘monstro’ erudito do doutor Frankenstein. Foi o desprezo, o preconceito, generalização e discriminação que o transformou numa criatura cruel.
Não é preciso morrer de amores por alguém que lhe escreve um ‘oi’ e você por educação lhe retribui com outro singelo ‘oi‘. Nunca soube de alguém que morresse por ser gentil, educado. Sejamos gentis nem que seja para dizer “gostaria que você não me escrevesse mais, ok?”. Acredite, isso soa mais ‘delicado’ do que o silêncio da indiferença.
A multiplicidade aplicativos que nos conectam, carregam em seu DNA, como se projetados de fábrica, o recurso do desdém. É óbvio que não é uma boa ideia dar corda para aquele chato que a todo custo quer sair com você (Desfazer amizade e/ou bloquear são cortesias dos aplicativos). Mas pior ainda é silenciar diante das conexões virtuais. Estar conectado com todos é, ao mesmo tempo, não estar com ninguém.
Não são poucos os que abdicam da vida social para viver atrás de um avatar que lhes garanta o anonimato. Ledo engano. Estamos todos mergulhados, alguns mais, outros menos, no lago da decisão alheia. Ele vai me responder? Ela vai me ligar? Poxa, não custa nada. E assim dependentes de palavras vindas do outro lado da tela permanecemos ansiosos e reféns da indiferença.
Utilizo como exemplo algo que foi fantástico aos meus olhos. Enviei no modo ‘mala direta’ por e-mail algumas dicas de filmes e livros para várias pessoas. Nessas ocasiões é ‘normal’ não se esperar respostas. Mas a minha surpresa foi quando uma colega de livre vontade, com sua educação peculiar, me respondeu agradecendo as dicas.
É assim com pequenos gestos de atenção e respeito pelo outro que a sociedade muda. Se o desdém, a indiferença, a insensibilidade podem matar almas; gestos de educação podem revigorá-las. E isso vale mais que mil beijos.
Texto de Israel de Sá