Nem todo mundo curte filmes sem final feliz. Afinal, se vamos ao cinema pelo prazer, por que quereríamos assistir histórias de desgraça? Bem… talvez porque não sejam as nossas desgraças. Talvez porque tenhamos um certo fascínio pela ruína, pela destruição – uma faísca de masoquismo. Ou talvez porque gostemos de ver a desgraça alheia, sinal de um sadismo velado. Quanto a mim, vejo a graça não nas tragédias, mas na qualidade das narrativas: nem tudo na vida real acaba bem, e assim também é na ficção. Os três filmes que selecionei para esta lista certamente não são os mais depressivos do cinema; são somente os melhores e mais recomendáveis dentre os últimos que assisti. Todos valem a pena. Começarei com o mais leve; o último, que se arrisque quem quiser.

 

Blue Jasmine (2013)

Como filme depressivo, “Blue Jasmine” é relativamente light. Já escutei alguém o definindo como “horrível”, devido ao seu desfecho trágico; nada mais injusto, visto que, como um filme típico de Woody Allen, é no fundo uma comédia, leve e tragável. Trata-se de uma releitura não-oficial de Um bonde chamado desejo, peça de 1947 levada ao cinema em 1951.

O título intraduzível é a caracterização da protagonista, Jasmine, triste (“blue”) devido à decadência generalizada em sua vida. Assim como a patética Blanche, de Um Bonde chamado desejo, Jasmine é obcecada pela elegância, pelo requinte, sedenta pelo status social e pela ostentação financeira; mas, assim como Blanche, seus planos de ascensão social dão errado. Sem recursos para sustentar-se, e sem tolerância para os empregos subalternos – únicos que poderia arranjar -, Jasmine passa a depender da irmã proletária. Amargurada e desiludida, incapaz de ajudar a si mesma, só lhe resta uma opção exequível: a loucura.

 

The Grey (A Perseguição, 2012)

Apesar de seu título ridículo em português (A Perseguição), The Grey é um filme incomum e marcante, um trabalho belíssimo escrito e dirigido por Joe Carnahan. Em geral, tenho muitas ressalvas mesmo com os filmes que mais gosto, mas The Grey é quase impecável.

Um pequeno avião é derrubado por uma turbulência e se despedaça em um deserto nevado no meio do Alaska. Os poucos sobreviventes, homens em geral rudes, juntam-se para tentar sobreviver ao frio e – principalmente – às matilhas de lobos da região. Esse mote, tão simples e genérico, é somente a base para a construção de uma história cruenta, mas profundamente humana, marcada não por pontos de vista autorais e respostas otimistas, mas por perguntas dolorosas e irrespondíveis sobre a condição humana, nossos pares e o meio. Perto de The Grey, Na Natureza Selvagem (Into the Wild) é uma piada sem graça. A atuação de Liam Neeson, aliás, é (como sempre) excelente; sua personagem carrega o filme nas costas.

E uma dica: espere os créditos terminarem. A resposta (?) está ali.

 

Prisioners (Os Suspeitos, 2013)

Este é dos mais terríveis. É altamente recomendável pelo realismo das personagens, pela qualidade do enredo, pela fotografia e pelo interesse das relações humanas desenvolvidas. No entanto, é como um murro na cara que continua a doer por semanas.

Desde a primeira cena, o diretor pega pesado. É o sequestro de duas meninas que dá início à trama, unindo o detetive Loki, os pais das vítimas e os suspeitos em uma teia imperscrutável de causas e efeitos. Muito mais original e complexo do que um típico filme de investigação, “Prisioners” nos mostra o que não queremos ver: que os inocentes podem se tornar culpados, e que os culpados podem ser, a seu modo, inocentes. Por exemplo: Hugh, pai de uma das crianças, homem duro e enérgico, aprisiona por conta própria um dos suspeitos já liberados pela polícia, e passa a torturá-lo a fim de descobrir o paradeiro de sua filha; ele não tem dúvidas da culpabilidade de seu prisioneiro – mas e se estiver errado? O resultado dessa e de outras situações angustiantes é uma história dolorosa que, com ou sem final feliz, expõe-nos a onipresença da injustiça no mundo.

Boa sessão, e bons pesadelos!

 

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