Com apenas 63 dias separando, pouco mais de dois meses, tivemos o suicídio de dois conhecidos vocalistas de bandas consagradas. Em 18/05/2017 Chris Cornell do Audioslave, e em 20/07/2017 Chester Bennington do Linkin Park. Coincidência? Eu diria que não…
Existem estudos que investigam o aumento sistemático do número de suicídios em regiões geometricamente próximas após o surgimento de noticias de casos reais de suicídios. Chama-se isso de efeito Werther ou efeito de imitação. Pessoas predispostas ou parecidas com o suicida tem um maior grau de risco de cometer um suicídio imitativo.
O Gatilho
No caso dos dois Frontman, é fato que ambos eram amigos, e ambos sofriam de um mal que tem se tornado bem comum… a depressão. Chester após a morte de Chris escreveu uma carta ao seu falecido amigo:
“Sonhei com os Beatles ontem à noite. Acordei com ‘Rocky Raccoon’ tocando em minha cabeça e um olhar preocupante no semblante da minha esposa. Ela me disse que meu amigo havia acabado de falecer. Lembranças sobre você inundaram a minha cabeça e eu chorei. Ainda estou chorando, de tristeza e de gratidão por ter compartilhado alguns momentos especiais com você e sua linda família. Você me inspirou tantas vezes de várias maneiras que você não consegue imaginar.
Seu talento era puro e incomparável. Sua voz foi alegria e dor, fúria e perdão, amor e coração partido tudo em uma só. Eu acho que todos nós somos assim. Você me ajudou a entender isso. Acabei de assistir a um vídeo de você cantando ‘A Day in the Life’ dos Beatles e lembrei do meu sonho. Quero pensar que era você se despedindo da sua maneira. Não posso pensar em um mundo sem você nele. Rezo para que você encontre paz na próxima vida. Envio meu amor para sua esposa e filhos, amigos e família. Obrigado por me permitir ser parte da sua vida.
Com todo o meu amor,
Seu amigo,
Chester Bennington”
Chester não deixou nenhuma carta sobre seu suicídio ou talvez a família tenha preferido não divulgar, e nem acho relevante que ela seja divulgada, caso ela exista, mas parece claro que o suicídio de seu amigo tenha de certa forma lhe influenciado, lhe dado “coragem”.
Falando em coragem, muitas pessoas dizem que tirar a própria vida é um ato covarde, que isso é falta de “laço”, falta de igreja, falta de Deus, entre outros. Será mesmo? Os sentimentos que envolvem uma pessoa com depressão, só pode compreender quem já passou por isso. O ato do suicídio é uma busca por catarse, por alivio, pela finitude da dor.
Ora, como pode ser falta de Deus, de orações, se muitos suicidas fazem orações para que Deus lhes liberte, pedindo que sejam livrados da dor. Já dizia Humberto Gessinger na letra da musica “A Violência Travestida Faz Seu Trottoir”:
Todo suicida acredita na vida depois da morte
Sim, eu acredito que todo suicida acredita na vida depois da morte, pois o suicídio é uma busca por algo melhor, uma busca por um lugar longe da dor sentida.
Por isso, pare de julgar o sofrimento dos outros, cada um tem suas dores e reage a elas de forma diferente, se você não sabe como ajudar, não piore a situação. Ao invés de dizer “tem gente que está pior que você e não fica se lamentando” diga algo como: “eu não posso imaginar o que você esteja sentido, mas estou aqui para lhe auxiliar” e envolva a pessoa em um abraço.
Efeito Werther
George Howe Colt em seu livro “November of the Soul – the Enigma of the Suicide” de 2006, fala que existe uma suspeita que o suicídio, assim como a histeria, seja algo contagioso e que os vírus dessa epidemia sejam a mídia e a exposição sensacionalista.
Os dados citados por Colt impressionam: em Arlington, Texas, um subúrbio de Dallas, aconteceram cinco suicídios em quatro meses. No mesmo período, ocorreram três em Beverly Hills. Em Columbus, Ohio, foram cinco no período de um mês, incluindo três calouros do mesmo colégio num único fim de semana. Em Cheyenne, Wyoming, foram três em 17 dias. Em Englewood, Colorado, foram três em cinco meses, sendo que todos na mesma escola. (Na mesma época, no sul do Brasil os dados eram também impressionantes. Em Porto Alegre, eram registrados, em média, três suicídios por dia.)
Emile Durkheim, sociólogo francês do século XIX, o primeiro a apontar o suicídio como patologia social, acreditava que a sugestão não era relevante nas análises dos dados de auto-homicídios. Segundo ele, os suicídios que acontecem por sugestão já estão fadados a acontecer, independentemente de influências externas, que só podem acelerá-los. Talvez sua opinião fosse diferente se na sua época a mídia tivesse o poder que possui hoje.
Colt conta que o sociólogo americano David Phillips, “comparando a taxa de mortalidade americana com as primeiras páginas que reportam suicídios desde a Segunda Guerra Mundial, descobriu que suicídios aumentam significativamente de número no mês seguinte a uma história de suicídio altamente publicizada”.
O exemplo que ele cita é de Marilyn Monroe, que desencadeou um salto de 12% nos suicídios, 197 suicídios a mais do que seria esperado num mês normal após a sua morte.
É isso que David Phillips chamou de “Efeito Werther”, referindo-se ao personagem da obra homônima de Johan W. Von Goethe, “Os Sofrimentos do Jovem Werther” publicada em 1774, em que o protagonista se suicida por conta de um amor frustrado. O livro teve sua venda proibida em várias partes da Europa por conta de uma onda de suicídios desencadeada entre jovens que usaram o mesmo método do protagonista do livro.
Não quero com isso dizer que não se deve falar sobre o suicídio. O problema está na forma como isso é noticiado e veiculado, muitas vezes de forma sensacionalista sobre casos que envolvem pessoas famosas. Ao noticiar um suicídio, por exemplo, um jornal poderia incluir em sua manchete informações relevantes sobre como auxiliar pessoas com tendências suicidas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou em 2000, através do programa de prevenção do suicídio, o Supre, uma série de manuais contendo orientações às mais diversas categorias de profissionais que podem contribuir com a causa do programa, entre eles está o “Manual para profissionais da mídia”. O manual oferece uma lista de orientações específicas para o tratamento jornalístico de pautas de suicídio:
Os seguintes aspectos devem ser levados em consideração:
** A cobertura sensacionalista de um suicídio deve ser assiduamente evitada, particularmente quando uma celebridade está envolvida. A cobertura deve ser minimizada até onde seja possível. Qualquer problema de saúde mental que a celebridade pudesse apresentar deve ser trazido à tona. Todos os esforços devem ser feitos para evitar exageros. Devem-se evitar fotografias do falecido, da cena do suicídio e do método utilizado. Manchetes de primeira página nunca são o local ideal para uma chamada de reportagem sobre suicídio.
** Devem ser evitadas descrições detalhadas do método usado e de como ele foi obtido. As pesquisas mostraram que a cobertura dos suicídios pelos meios de comunicação tem impacto maior nos métodos de suicídio usados do que na frequência de suicídios. Alguns locais – pontes, penhascos, estradas de ferro, edifícios altos, etc. – tradicionalmente associam-se com suicídios. Publicidade adicional acerca destes locais pode fazer com que mais pessoas os procurem com esta finalidade.
** O suicídio não deve ser mostrado como inexplicável ou de uma maneira simplista. Ele nunca é o resultado de um evento ou fator único. Normalmente sua causa é uma interação complexa de vários fatores, como transtornos mentais e doenças físicas, abuso de substâncias, problemas familiares, conflitos interpessoais e situações de vida estressantes. O reconhecimento de que uma variedade de fatores contribui para o suicídio pode ser útil.
** O suicídio não deve ser mostrado como um método de lidar com problemas pessoais como falência financeira, reprovação em algum exame ou concurso ou abuso sexual.
** As reportagens devem levar em consideração o impacto do suicídio nos familiares da vítima, e nos sobreviventes, em termos de estigma e sofrimento familiar.
** A glorificação de vítimas de suicídio como mártires e objetos de adoração pública pode sugerir às pessoas suscetíveis que a sociedade honra o comportamento suicida. Ao contrário, a ênfase deve ser dada ao luto pela pessoa falecida.
** A descrição das consequências físicas de tentativas de suicídio não fatais (dano cerebral, paralisia, etc), pode funcionar como um fator de dissuasão.
Para concluir, respondendo a pergunta do título, eu pessoalmente, acredito que sim, que um suicídio, especialmente de pessoas famosas pode incentivar/motivar outras pessoas que estejam vivenciando uma depressão e já estão com ideações suicidas, a atentar contra a própria vida.
Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, por favor, procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra. Existe também para emergências o serviço do CVV (Centro de Valorização da Vida) que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email, chat e Skype 24 horas todos os dias. Deixo aqui o link aqui para quem precisar. http://www.cvv.org.br/
Mais artigos e informações sobre o assunto podem ser encontradas aqui no blog.
Muito bom o artigo, apenas faço uma consideração: o CVV não atende 24 horas, pelo menos não por chat, inclusive esta informação está no próprio site.
A informação sobre o atendimento 24 horas foi pego justamente do site do CVV, inclusive foi copiado fielmente como está no site