Outro dia acompanhei uma conversa instigante. Em meio a um grupo, uma mulher comentou o quanto havia ficado desconcertada ao saber que sua analista não era feliz.

Havia se tratado com ela por três anos, nada sabia da vida íntima da profissional com quem tanto havia desabafado e agora, depois de muito tempo, havia descoberto que a analista tinha problemas pessoais e que inclusive havia tentado o suicídio uma vez.

A tentativa de suicídio me pareceu um acréscimo sensacionalista à história, mas, desconsiderando esse detalhe, me concentrei na fantasia que alimentamos a respeito desses profissionais.

Eles ajudam a amenizar nosso sofrimento emocional, a tomar decisões necessárias para que a vida destrave, a compreender e perdoar nosso passado, a vencer medos e traumas, enfim, fazem uma assistência técnica básica.

Para que o processo dê resultado, contam com nossa sinceridade e confiança, e é por isso que despejamos, sem reservas, tudo aquilo que ocultamos até de nós mesmos. Declaramos abertamente nossas fraquezas, recalques, frustrações, taras, dificuldades.

O que esperamos em troca?

Que eles já tenham resolvido todas essas questões em suas próprias vidas para que possam se concentrar na nossa. É um delírio, mas ficamos mais descansados assim.

Até que um dia descobrimos, sabe-se lá como, que aquela criatura que parecia acima do bem e do mal é uma pessoa que bebe muito, que não consegue manter relações afetivas por mais de seis meses, que já atropelou um cachorro e fugiu, que sofre até hoje por um grande amor perdido, que tem medo de andar de elevador, que coleciona multas de trânsito, que não fala com um irmão há sete anos.

Isso significa que ele não é feliz?

Apenas significa que é mais parecido com um ser humano do que com Deus. Eis a encrenca: ele não pode ser parecido com um ser humano, ou seja, conosco.

Se não resolveu suas próprias tranqueiras, que habilidade terá para lidar com as tranqueiras dos outros?

Não admitimos que ele enlouqueça de ciúmes, que tenha vaidades, que guarde segredos, que morra de sono no meio da tarde, que sinta tédio, raiva, claustrofobia.

Não pode estar atolado em dívidas, não pode ter um botão faltando na camisa, não pode fumar, não pode atrasar, não pode chorar.

Ele não pode ter uma vida, apenas uma carreira.

Tem que fixar residência no consultório e estar sempre a nossa espera de banho tomado e alma lavada. Encontrá-lo com um carrinho lotado de cerveja no caixa do supermercado exigirá de nós muito autocontrole.

Desejamos que nossos terapeutas sejam perfeitos, e é por isso que eles costumam acertar no nosso diagnóstico: no fundo, somos todos uns narcisistas.

Por Martha Medeiros

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