A crise econômica e política que atinge a Venezuela tem provocado estragos em vários âmbitos da sociedade. O país, que sofre de uma inflação galopante, violência nas ruas e pobreza extrema, vem registrando os maiores números de suicídio do continente americano.
A crise econômica e política que atinge a Venezuela tem provocado estragos em vários âmbitos da sociedade. O país, que sofre de uma inflação galopante, violência nas ruas e pobreza extrema, vem registrando os maiores números de suicídio do continente americano.
Oriane Verdier, correspondente da RFI em Caracas
Desde o ano passado, com a agravamento da crise, a Venezuela enfrenta uma alta nos índices de suicídio. O número de pessoas que tiraram sua própria vida quadruplicou nos últimos quinze anos e o fenômeno vem se acelerando. Quase 800 casos foram registrados apenas na capital Caracas em 2018.
“A cada semana recebemos, em média, quatro novos casos de pacientes com pensamentos suicidas”, conta Marisol Ramirez, presidente da rede nacional Psicólogos Sem Fronteiras, um dos serviços que, junto com a Federação dos Psicólogos da Venezuela, criado no ano passado, oferecem atendimento acessível para a população.
Segundo a psicóloga, é cada vez maior o número de pessoas que veem na morte uma possível solução para seus problemas. “Os pacientes dizem: se eu estivesse morto, minha família não teria mais que se cansar para encontrar remédios e cuidaria dos meus filhos. Elas vivem pensando que podem ser assassinadas, que podem morrer…”, conta Marisol. “As pessoas falam da morte com tanta naturalidade. Parece até ser uma opção como outra qualquer”, continua a psicóloga.
Crianças suicidas
O que mais impressiona a presidente da Psicólogos Sem Fronteiras é o aumento de menores entre seus pacientes. “Já recebemos crianças que diziam que a mãe tinha se refugiado no exterior, que não queriam morar com tias ou avós e, por isso, tinham vontade de morrer”, relata.
“Essa semana mesmo recebemos duas crianças que não sabiam como fazer a lição de casa em razão dos cortes de eletricidade que atrasaram os programas escolares. As famílias estavam muito preocupadas, pois os filhos disseram que a solução seria morrer. A gente constata que, aos poucos, a ideia da morte se banaliza na sociedade venezuelana”, analisa a psicóloga.
Os pacientes chegam à noite ou em plena luz do dia, vivos e, às vezes, mortos.
Um aumento recorde dos casos de suicídio na atribulada Venezuela está desgastando os médicos que trabalham no hospital universitário do estado andino Mérida. Pessoas que tentaram se matar chegam a um ritmo incerto que assusta os profissionais que as recebem.
“Vivemos entre o terror e a impotência”, disse Ignacio Sandia, chefe do departamento de psiquiatria. “Constantemente pensamos que não pudemos fazer o que deveríamos ter feito no momento em que podíamos, e é aterrorizante que os pacientes cometam suicídio e não haja nada que possamos fazer por eles.”
Os suicídios estão aumentando rapidamente em todo o país, que antigamente era rico, mas particularmente em Mérida, um estado montanhoso onde os casos estão atingindo níveis nunca vistos. O Observatório Venezuelano da Violência, uma organização não-governamental, estima que a taxa de suicídio do estado foi de mais de 19 por 100.000 habitantes em 2017. Apenas 12 países têm uma taxa tão alta.
Apesar dessa constatação, o termo suicídio ainda é um tabu no país. As autoridades acusam os que ousam usar essa expressão de fazerem apologia à morte. Uma maneira indireta de não reconhecer um dos sintomas das dificuldades enfrentadas atualmente pela sociedade venezuelana.